12.4.10

As vanguardas #01

“Nenhum movimento como o surrealismo propôs tanto, a um só tempo, uma real cidadania para todos e uma real liberdade de cada um consigo […] o surrealismo apenas transformou a realidade para fazer dela a sua cama de amor, seu leito de esperanças provadas na praça pública", (pág. 9, Cesariny, Mário, A Intervenção Surrealista, Assírio & Alvim, 1997).

A primeira década do século XX foi crucial para o que viria a ser o século da liberdade criativa tal como nos é conhecido. Iniciou-se com o cubismo e com toda a desconstrução associada a este movimento artístico. Entre 1907-1908, Picasso pintou o que seria o ex libris da pintura cubista "Les Demoiselles d' Avignon". Em 1909 os três irmãos Duchamp, Jacques Villon, Duchamp-Villon e Marcel Duchamp, aderem ao cubismo. Neste mesmo ano foi escrito o Manifesto Futurista de Marinetti. Nos primeiros anos do século o futurismo andou lado a lado com o cubismo. Em Paris, em 1911, Apollinaire assume a defesa dos cubistas, como a do futurismo e a do "Orfismo" de Delaunary.


Pablo Picasso, Les Demoiselles d' Avignon, 1907

Dentro do Cubismo surgiu um movimento de alguns pintores, que opondo-se à linha evolutiva dessa corrente, estavam mais dispostos a ironizar e a desmistificar todos os valores da cultura, afirmando-se mesmo, a existência de uma arte - a anti-arte. Com o crescimento de pintores que se reviam nesta nova forma artística, cria-se uma nova corrente, o movimento Dadaísta, ou simplesmente Dada, liderada Marcel Duchamp e Max Ernst. Para este novo movimento, o que determinava o valor estético não era o procedimento técnico, mas sim, um acto mental. O Dadaísmo é o movimento que deu origem ao Surrealismo, considerado como o seu precursor.


Max Ernst, Oedipus Rex, 1922

Durante algum tempo, estes dois movimentos coexistem mas o Dadaísmo foi-se, aos poucos, esvaziando, à medida que muitos dos seus seguidores se foram integrando no Surrealismo. Segundo André Breton, estes dois movimentos são “como duas ondas que se ultrapassam uma à outra, pois contêm em si uma enorme capacidade de energia e de excitação”. No Surrealismo é-nos dado a ver e a conhecer um mundo imaginário, surreal, impossível de “ser visto”, mas possível de ser sonhado. Artistas como Salvador Dalí ou René Magritte interpretaram nos seus quadros, o mundo de um modo que muito difere da realidade.

«Não existe realmente algo que se possa chamar de Arte. Existem apenas artistas.[...] Arte com maúsculas não existe», Ernest Gombrich, “A História de Arte”.

A arte serve para percepcionarmos o que deixámos de ver (ou o que nunca vimos) ou, por outro lado, arte é uma forma de transformar o inconsciente no consciente.

«[...] captar a sensação de estranheza que pode dominar-nos quando deparamos com o inesperado e o inteiramente enigmático», Ernest Gombrich, “A História de Arte”, sobre a obra de Giorgio de Chirico “A canção de Amor”.

O Dadaísmo, tal como o Surrealismo, ridicularizava a confiança total na civilização ocidental, predominante nos primeiros anos do século XX e destacava a fragilidade de um mundo que se julgava perfeitamente organizado. O iniciador do movimento Dadaísta foi o escritor Hugo Ball, em 1916, em Zurique, com o objectivo de ultrapassar preconceitos, hierarquias estéticas e artísticas em vigor. A esta corrente aderiram vários escritores e artistas, considerados na época como revolucionários, devido às suas ideias radicais, das quais se destaca um novo conceito de criatividade, totalmente inovador. Para eles o acto de criar devia estar livre de qualquer condicionalismo, quer fossem sociais, morais ou estéticos. Procuravam, acima de tudo, dar ênfase ao poder transformador da arte criando um jornal, a que deram o nome de “Dada” - que significa “sim, sim” em romeno e “cavalo de balanço” em francês. O jornal “Dada” tornou-se o veículo através do qual se divulgavam as ideias e emoções do movimento expandindo entretanto o espírito Dada para Nova Iorque, sobretudo com os franceses Marcel Duchamp, Francis Picabia e com o americano Man Ray. Contudo, estes artistas mantinham ligações com o grupo Dadaísta de Zurique. Na Alemanha este movimento também teve os seus seguidores, com destaque para George Grosz, Richard Huelsenbeck, Johannes Baader e Raoul Hausmann. Mais tarde, passou a ser considerado como um movimento negativista, sendo abandonado aos poucos pelos seus seguidores que se foram ingressando no recém criado Surrealismo, com o seu inesgotável potencial de exploração de novas experiências. Embora o Surrealismo fosse considerado também um movimento revolucionário preocupava-se mais com o espiritual e emocional do que com os aspectos materiais. Perante o anárquico impulso de destruição que imperava nos Dadaístas, o Surrealismo pretendia definir uma prática artística alternativa à tradicional, sob o lema de “um homem novo, uma sociedade nova”.

«O nome foi cunhado em 1924 para expressar o anseio de muitos jovens artistas [...] de criar algo mais real do que a realidade», Ernest Gombrich, “A História de Arte”, sobre o surrealismo de jovens artistas como Modrian, Kandinsky e Klee.


Man Ray, Rayography The Kiss, 1922

O nascimento do Surrealismo não pode dissociar-se das mudanças económicas e sociais, decorrentes sobretudo da 1ª Grande Guerra e da “Revolução de Outubro”, em 1917, na antiga U.R.S.S., nem do agravamento de uma crise de valores que inclui o questionamento do pensamento discursivo e racional. Este movimento pretendeu revolucionar a vida através da arte, aceitando e alimentando as manifestações do inconsciente, da loucura, do “desregramento” dos sentidos, da anulação de fronteiras entre o sonho e a realidade.
Numa tentativa de sistematização dos aspectos mais importantes explorados em muitas das manifestações artísticas, sobretudo na pintura, na literatura e no cinema: actividade experimental na prática do automatismo, através da escrita automática e do sono provocado ou hipnótico, consequente preocupação em explorar o inconsciente, prospecção sistemática dos sonhos, das coincidências, de fenómenos do acaso, a psicanálise, esoterismo e magia.